segunda-feira, 25 de junho de 2012


“Pergunta sempre inquietante e desgostosa; existe uma única forma de morrer, envolvendo unicamente o desligamento do corpo material ou é possível sumir-se em um nível além do cotidiano? Se fosse possível perder-se do mundo, perder-se das percepções, seria essa uma forma de morte? Algo como um desaparecer mental. Mais, se perco o toque do mundo perco-o também em minha consciência, e o que resta, a não ser a não existência?”

Caminho pela região central, ainda meio zonzo e coma  cabeça leve. São cinco da tarde e o anoitecer prematuro do inverno já cobre de sombras esta parte da cidade. Alguns já fecham suas lojas, baixam seus pesados portões de ferro engraxado, olham desconfiados por sobre os ombros, olhos injetados com profundas olheiras. Afasto-me mais para o centro da rua, não quero ser alvo daqueles olhares. Passo por uma infinidade de pessoas, algumas no sentido contrário, outras mais rápidas ou mais lentas, cabeças baixas. O clássico mar de rostos desconhecidos, todos partilhando da mesma expressão desoladora, irreal. Sinto que começa a acontecer novamente, o mundo descolando-se. Apresso o passo e atravesso a praça recém reformada, as tristes estátuas brancas observam caladas. Mendigos preparam seus papelões e suas bebidas. Duas pessoas passam correndo, olho instintivamente para trás. Nada é claro. Sigo tentando manter-me íntegro, mas a sensação persiste, o mundo perde a sintonia por duas vezes. Tenho um pressentimento, não desses de desfortuna, mas de excitação. Mais pessoas correndo. Vou na mesma direção, o motivo de estar ali a princípio torna-se desimportante. Em alguns metros de corrida já esqueço totalmente o que iria fazer. Não dou importância, nunca há um motivo na verdade, nunca há nada real, no fim do dia restaria apenas juntar-me a massa de mortos-vivos.

Vejo ao longe uma pequena multidão. Corro mais rápido, o coração sedentário pulsando vividamente despejando ácido de bateria nos músculos, o ossos rangem e estalam, estavam enferrujados, soldados na mesma posição. Ao chegar no local, já me sinto mais real e a ambivalência diminuira consideravelmente. Algumas dezenas de pessoas colocam-se ao redor de uma alta torre erguida de frente para o rio. No alto da torre há um homem, parece nervoso, balança os braços em movimentos bruscos. Sinto meus pulmões em chamas e preciso de alguns minutos para me recompor. Quando consigo respirar novamente pergunto às pessoas sobre o homem. Ninguém sabe ao certo, todos chegaram e o ele já estava em cima da torre, o que parece, entretanto, é que demorou muito a notar a presença das pessoas, so vindo a ter esta ciência quando o falatório tornou-se audível para ele. A partir deste momento pareceu muito nervoso e pelo que falaram insinuou descer duas vezes, desistindo logo em seguida. Permaneço olhando para o alto, a torre rasgando o céu vermelho do fim da tarde. As roupas do homem voam no vento enquanto ele permanece sentado com as mãos no rosto. Passam-se mais de 10 minutos sem nenhuma movimentação. As pessoas ficam inquietas. Uma briga parece começar no meio da confusão e começa um empurra empurra. Alguns gritam, parecem irritados. Tento fugir para um lugar mais calmo, mas descubro-me preso por uma massa compacta de pessoas que chegam para juntar-se ao espetáculo. Ouço o som de sirenes ao longe, o trânsito, porém, não permite a passagem de nenhum veículo. O homem levanta-se, olha para baixo, as pessoas começam a gritar, não entendo o que dizem a princípio. Um gordo ao meu lado exalta-se e passa a insultar o homem da torre, grita para que pule. Fico assustado e no momento seguinte a irrealidade ataca novamente. Dessa vez com força total, poderia desaparecer a qualquer momento, sinto estar perdendo o mundo, ficando translúcido. Algo como uma batalha de sintonia ocorre em minha mente, tento sentir a vibração correta, sentir o modo de existir inteiro novamente. Nada. Não há nada. Inesperadamente dou-me conta que as pessoas gritão muito. Xingam, cospem, blasfemam e apontam. Pule! Pule! Fazem gestos com os braços, convidam o homem da torre a uma descida rápida. Ele anda em círculos no pequeno espaço, parece chorar. Olho minhas mãos e posso ver o chão através delas, óh não, nunca pensei que passaria para este lado, nunca havia sido tão forte e eu estava no pior lugar possível. E se me vissem, se me vissem sumindo, desaparecendo, o que pensariam? Caminho sem rumo entre os animais. A multidão enfurece-se. Pule! Pule para mim! Não consigo mais ficar de pé. Minhas pernas também perdem sua consistência, quando atingir meu cérebro será o fim. Sem o contato com o mundo o que vai sobrar para mim? Como pode ser possível morrer dessa forma?

“Pule para mim! Me redima! “A transparência sobe por meu peito. Não há mais tempo, eu olho para cima. O homem parece gritar em desespero. “Pule! Pule ou o trucidaremos!” Eles respondem. Imerso em meu próprio desespero, a irrealidade alcançando as bordas da minha mente, desligando os circuitos, fechandos os caminhos. Levanto sem pensar, sinto como se atravessasse as pessoas, alcanço rápido a torre, em um momento já estou no topo, não ouço nada, não vejo nada, o mundo é quase uma sala escura. Concentro toda a vontade em minha próxima ação. Quando o homem se vira e me vê, já estou real novamente. Despertado de um sonho de uma vida inteira. “Eu só queria apreciar a vista “ Diz o homem aos prantos. Em meus olhos injetados com profundas olheiras ele vê seu futuro e desvia o olhar, dá meia volta e um passo para frente. Eu chuto-o nas costas, eu o redimo, livro-o desta vergonha. O homem cai na noite escura direto no mar de pessoas, ele será despedaçado isso é verdade. Chego perto da borda, o ar frio machuca meu rosto. Pule! Eles gritam. Livre-se dessa vergonha!

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